Coisas ditas da boca para fora

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Há um dia ou dois atrás, a Daniela, depois de falar ao telemóvel com a mãe, diz-me, "oh pah, um médico, que a minha mãe conhecia bem, lá da póvoa, suicidou-se". Eu, "porquê?". "não sei bem, parece que foi por causa da mulher dele". "matou-se por causa da mulher? que estupidez! tanta gente que morre sem querer e tão cedo, gente que luta até à última para sobreviver e esse mata-se por causa da mulher? não tenho pena nenhuma dele. eu é que não me matava por causa de uma mulher ou homem!". "ei, Sara, que insensível."

É... e fui. mas naquele momento tive, não diria raiva, mas um desprezo tão grande por tal motivo de suícidio.

No dia seguinte (e ainda hoje), arrependi-me do que tinha dito. quem sou eu para julgar tal assunto? vá-se lá saber o que não passaria na cabeça do homem? não sou ninguém e, com certeza, esse médico chegou a um limite. é como estes loucos que eu vejo com frequência, nas ruas do Porto. não era tão normal, não havia muitos na Vila ou na Póvoa, mas aqui cruzo-me com uns quantos. eles também chegaram a um limite. não sei bem qual, mas que chegaram, lá isso chegaram. é sempre assim, passamos por eles, dá-nos um arrepio, sentimos congelar qualquer parte, que ainda não sei bem ao certo, do nosso corpo e continuamos caminho. é como se todo o mundo deles se resumi-se às suas cabeças, onde está o cérebro, parece que está tudo concentrado, todas as histórias que eles ora gritam, ora sussurram, sem terem qualquer sentido para nós. não conseguimos decifrar, é outra linguagem...

Como Saramago, que sexta-feira, na sic, desabafou que chamar filho da puta a Deus teria sido um bocado exagerado da sua parte. não vou falar mais sobre Saramago ou polémicas, porque tenho apenas três palavras: liberdade de expressão.

As coisas ditas da boca para fora, não recuam, não voltam a entrar para a boca donde saíram, mas podem ser suavizadas com:"Disse da boca para fora."

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